Resenha | Dark, a série alemã que conquistou (e confundiu) o público


Desde que finalizei Dark, cerca de um mês após o lançamento da terceira e última temporada da série na Netflix, vira e mexe me pego pensando sobre ela, seja uma frase dita em um episódio específico, seja uma morte marcante de algum personagem, a árvore genealógica complexa do enredo ou até mesmo divagando sobre as viagens temporais que ocorrem ali. Fato é: Dark me revisita sempre. E acredito que ao escrever esse texto, talvez alivie os devaneios. Talvez. Ou, quem sabe, esse ciclo seja infinito e se repita uma e outra vez, e eu esteja presa nele e não há nada que eu possa fazer que possa alterá-lo, estou presa. Mais uma vez divagando, né? Perdoe esta pessoa que vos escreve.

Dark chegou à Netflix em 2017, e atualmente possui todas as temporadas disponíveis no catálogo. Me lembro que ela chegou meio discretamente, mas com uma premissa interessante, e eu, na época, no auge do meu anseio por uma história nova para imergir, mergulhei.

Meu primeiro espanto foi com a língua, não tinha pesquisado nem visto nada sobre a série, então só percebi que era alemã quando as falas começaram, me causou certa estranheza, confesso. Mas dei uma chance. Logo de início a gente percebe que a trama é um pouco mais complexa e que a série tem uma pegada mais densa.

No primeiro episódio já temos uma cena de um suicídio, que choca o espectador em um primeiro contato com a série. A primeiro instante há o choque, mas sem saber do que se trata exatamente. Ao longo do episódio descobrimos que aquele personagem misterioso que se suicidou é ninguém menos que Michael Kahnwald, o pai do Jonas – Jonas é nosso protagonista.

, ok. Vou tentar dar uma explicada geralzona na série. Em Dark, somos situados em uma pequena cidade da Alemanha chamada Winden. Essa pequena cidade, talvez não seja tão pacata quanto parece. Logo no comecinho, vemos indícios do desaparecimento de um adolescente, Erik Oberdorf, vemos seus pais desesperados e a polícia da cidade sem muitos indícios de seu sumiço. Logo depois, Mikkel, um dos personagens do núcleo central da série, uma criança, também desaparece. Como? Onde está Mikkel? Essas são perguntas e questionamentos que são fundamentais para o desenvolvimento da série, os personagens centrais buscam resolvê-la e encontrar o pequeno Mikkel. E serve para instigar nossa curiosidade.


Mas como a gente descobre ao longo da série, “a pergunta não é onde, é quando”.

[Atenção! A partir daqui esse texto possui spoilers! Leia por sua conta e risco.]

[Você foi avisado(a)]

Mikkel, depois aparece saindo da caverna misteriosa, mas ele já não está em 2019, e sim em 1986, 33 anos no passado. O pequeno Mikkel Nielsen fez uma viagem no tempo e foi para o passado, e como depois descobrimos, ele não conseguiu retornar ao seu tempo. Sim, devastador, pobre Mikkel. Também descobrimos que ele foi adotado por uma enfermeira chamada Ines Kahnwald e que ele é o pai de Jonas – no passado seu nome foi alterado para Michael Kahnwald.

Dark tem um enredo bastante complexo que envolve viagens no tempo, paradoxos, ciclos, realidades paralelas e tudo o mais, quem assistiu pelo menos duas temporadas possui um pouco mais de conhecimento sobre o assunto. Confesso que quando terminei a primeira temporada, não sabia muito bem o que estava acontecendo e nem como, mas fui sugada pelo universo de Dark e sua trama, e ao final fiquei sem algumas respostas de questões que rondavam minha mente. Eu queria mais episódios, mas, nessa época, ainda não tinha segunda temporada.


Um aspecto que de início me incomodou, não que eu não me interessasse, mas pela complexidade que trouxe para a história, foi a exibição de dois tempos logo no início. Os personagens que vimos no presente (no caso, 2019) também eram mostrados no passado (1986), portanto, era preciso lembrar dos nomes e rostos em dois tempos distintos. Até me acostumar com as carinhas, queimei uns neurônios tentando relembrar quais eram os nomes e quem eram no tempo presente. Mas assim que consegui absorver as informações, as conexões passado-presente fluíram mais facilmente e a história foi se conectando em minha mente. Parece estressante, mas eu adorei!

Quando a segunda temporada foi lançada, eu estava em uma rotina maluca e não conseguia arranjar tempo para assistir uma trama mais complexa, me arrisquei em séries com episódios mais curtos e leves, geralmente de comédia (um gênero que também adoro). Por fim, quando a terceira já estava no jogo, reassisti a primeira temporada, assisti a segunda e me joguei na terceira. Finalizei. E... meu Deus!

Quando terminei a segunda temporada fiquei com um receio: a inclusão de outros mundos. Fiquei receosa por ser mais uma realidade para lidarmos além daquela que já exige atenção para acompanhar, mas também porque poderia significar um enfraquecimento da trama. Às vezes, complicar demais uma história pode transformá-la em algo raso, sem um desenvolvimento satisfatório e em pura enrolação para algo que poderia ser direto e reto. Era um temor meu.

Mas com a terceira temporada, a apresentação de um novo mundo, uma nova Martha – interesse romântico do nosso protagonista –, uma outra realidade sem o Jonas, achei interessante e instigante. O mundo espelhado trouxe uma história sem nosso personagem principal, mas também nos mostra que ele teve as mesmas consequências do mundo 1: o apocalipse (outro evento-chave da série). Essa descoberta tira da nossa mente que o principal culpado de todos os eventos que culminam no apocalipse do mundo 1 é o pobre Jonas e sua árvore genealógica complexa, também deixa claro que o apocalipse não gira ao seu redor. Nessa temporada a gente percebe que o apocalipse é muito mais do que isso.

Outra coisa que me interessa muito na trama da série são os arcos dos personagens, em especial de um dos que mais me aterrorizava no início da série e que foi ganhando meu afeto ao longo das temporadas. Vocês provavelmente já sabem de quem eu estou falando. Ele mesmo, Noah.


Na primeira temporada eu o via como o grande vilão da trama, o mal reencarnado e motivo de tanto sofrimento para tanta gente na série. Quer dizer... e aquele quartinho bizarro em que as crianças eram aprisionadas por ele? E o aparato daquele protótipo de máquina do tempo incrivelmente ameaçador? Aquela televisão passando as músicas repetidamente? A morte das crianças? A tatuagem? Tudo ao redor desse padre parecia tenebroso, inclusive a trilha sonora de quando ele aparece.


Bartosz, melhor amigo de Jonas, entrando no carro onde o Noah estava para mim era inconcebível! Que maluquice! Nada me faria entrar naquele carro, absolutamente nada. Hoje eu sei que talvez o Bartosz não tenha se sentido tão atemorizado pela história dele com o Noah. Talvez ele, de alguma forma tenha sentido uma conexão, mesmo que não soubesse exatamente o motivo, afinal, esse padre é seu filho – embora Bartosz fosse somente um adolescente e o padre já um homem mais velho. Sim, parece doideira, mas é só Dark. A gente tem que superar esse fato quando há uma bagunça na linha do tempo em virtude das viagens temporais.

O Noah, como já disse, para mim era a reencarnação do mal. E realmente, na primeira temporada, temos essa impressão – sei que ele está usando o colarinho clerical, mas isso o deixou, de alguma forma, mais ameaçador. Aquela cena dele ao lado da cama de hospital do Mikkel, em 1986, dizendo “Ich bin Noah” ("Eu sou o Noah", em tradução para o português) me deu arrepios. Na segunda temporada podemos ver que ele é mais um dos fiéis seguidores da Sic Mvndvs, além disso, também se reporta ao Adam (o Jonas, só que do futuro). Dessa maneira, cai por terra muito da crença de que ele é o mal reencarnado. Talvez só mal. Mas também descobrimos que ele é pai de Charlotte e descobrimos quem é sua esposa. 

Na terceira temporada, conhecemos a história do Noah, sua relação com Elisabeth Doppler e o fruto dessa relação, a Charlotte (que até hoje me pergunto como a mãe pode ser a filha e a filha pode ser a mãe, já que a Charlotte é também mãe da Elisabeth. Simplesmente não consigo, para mim isso é geneticamente impossível. Tudo bem, é uma série, mas mesmo assim...). Enfim, toda essa demonização do Noah, todo o temor que eu tinha por ele nas primeiras temporadas se esvai – talvez meu coração tenha amolecido –, não sei, mas me comovi com sua história.


Esse é um dos pontos altos da série, ela desenvolve seus personagens sem a dualidade herói-vilão, são personagens humanos, capazes de amar, realizar coisas boas, serem ingênuos e também capazes de atos malignos. Ninguém é 100% bom ou 100% mal. E eu admiro essa característica em produções que assisto. Dark explora muito isso, eu acho sensacional. A exemplo, o Noah, como dito acima. Ele faz todos os absurdos que faz pela crença que possui em Adam e na Sic Mvndvs e pelo amor que nutre por Charlotte, que foi tirada dele e de Elisabeth tão bruscamente, e seu desejo pelo reencontro da filha. Um motivo nobre, mas a maneira que persegue seus objetivos e realiza as ações para Sic Mvndvs... nem tanto.


A viagem no tempo é o principal atrativo da série, obviamente. Com o passar dos episódios somos apresentados a diversas teorias sobre viagens no tempo. Buraco de minhoca, paradoxo de Bootstrap, Teoria da Relatividade Geral, circularidade do tempo e, no último episódio da segunda temporada, somos apresentados a outro mundo. A terceira temporada passa pela teoria do emaranhamento quântico, a teoria do experimento do gato de Shrödinguer e realidades paralelas. Calma, eu sei... muita informação. Algumas das teorias não são nomeadas, são apenas percebidas e ilustradas através de falas ou ações dos personagens, então não se assuste se o nome não lhe parece familiar. Todas essas teorias exploradas na série são um prato cheio para os espectadores que já se interessam pelo tema e abre espaço para refletirmos sobre as viagens no espaço-tempo.

Para mim, uma das maiores reflexões que a série deixa por detrás de toda a rede de ações dos personagens e viagens temporais é: somos livres? O livre-arbítrio realmente existe?


"O homem é livre para fazer o que quer, mas não para querer o que quer."

- Arthur Schopenhauer

Em Dark podemos ver que presente, passado e futuro estão amarrados em um ciclo. Como dito na série várias vezes “Der Anfang ist das Ende und das Ende ist der Anfang” (ou “O começo é o fim e o fim é o começo”), nesse caso, o ciclo é uma repetição das ações dos personagens, e toda vez que eles realizam feitos que acham que encerrarão o ciclo, na realidade, contribuem para sua manutenção. Dessa forma, agem por vontade própria ou apenas estão realizando ações que já estavam “destinados” a fazer? Fazem o que fazem por que querem ou estão apenas presos na amarração do tempo, repetindo uma vez e outra o que seus outros “eus” já fizeram? Bom, isso é assunto para outra postagem...

Essa é uma questão muito interessante da série e são questionamentos que podem rondar nossas mentes de tempos em tempos. Serão passado, presente e futuro circulares e não lineares? A viagem no tempo é realmente possível? Poderemos nós desbravarmos os buracos de minhoca? Esses são questionamentos difíceis de responder, e há diversas teorias que visam explicá-los, mas, como também ouvimos muito na série, “o que sabemos é uma gota, o que ignoramos é um oceano”.


Para finalizar, gostaria de dizer que é uma série que eu gosto muito! Ela me envolveu na narrativa, me encantou com as teorias sobre viagem no tempo, com a construção dos personagens, uns que a gente se identifica e gosta já de cara, outros que logo estranhamos ou não apreciamos muito. Mas também, como eu disse, são personagens humanos, portanto há momentos em que há compaixão por um personagem que não gostamos ou sentimos raiva de um personagem que gostamos. Essa é a beleza da série.


Além disso, Dark é uma série com uma trama cheia de questionamentos, sempre há algum mistério ou dúvida quanto a algo. E a amarração final da terceira temporada foi incrivelmente satisfatória. Foi um final surpreendente, cheio de reviravoltas, mas também cheio de respostas. Para mim, foi um final digno da caminhada da série. E é ao mesmo tempo triste e esperançoso. Claro que não foram respondidos todos os questionamentos, mas respondeu os principais. Também deixou caminhos abertos para teorias e suposições – o que também deixa interessante, nos permitindo navegar nas discussões e teorias de fãs ou criarmos as nossas próprias. Gostei. Vale muito a pena assistir e viajar pelo desconhecido, entrar em uma caverna e sair em outro tempo ou, com o auxílio de uma maleta, conhecer o passado.

Poderia encerrar esse texto de diversas maneiras, mas a que melhor achei foi através de um questionamento (e quem souber a resposta, por favor me avise): o que diabos aconteceu com o olho do Wöller?

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